Eu posso imaginar porque, quando criança, ainda percebendo as coisas das quais eu poderia gostar ou não, fui torcedor do Santa Cruz, em Pernambuco. E por que o Santa Cruz? Ou melhor, por que não o Esporte, o Náultico, o Atlético Pernambucano ou outro clube? Eu amava as cores vermelho e preto combinadas com o branco, o desenho do escudo, as estrelas. Eram as cores de uma "nação" por mim escolhida.
Como garoto pobre era impossível imaginar-me assistindo a um desses eventos em Caruaru ou Recife, na Ilha do Retiro, mas me contentava com o futebol de várzea. E o mais engraçado é que eu nunca pretendi ser jogador. Sabia muito bem das "pernas-de-pau" que tinha. Mesmo assim, queria viver plenamente minha condição de torcedor, acompanhar da arquibancada.
Aos domingos ia assistir a campeonatos regionais e apreciava do começo ao fim. Emocionante era quando as decisões ficavam por conta dos pênalts. Todos corríamos para detrás da barra em busca do melhor ângulo.
Para ver um destes jogos caminhava-se a pé por quilômetros. E nem a fina garoa ou mesmo a chuva afastavam-nos da beira do campo. Na energia de garoto aquilo era o máximo, e as vezes a própria chuva nos brindava à vida como um comercial de refrigerante ou de creme dental. Essa energia é hoje quem me faz tentar compreender o que move o torcedor em sentimentos pelo seu time favorito. É talvez o que o faz sentir-se bem, integrando a "nação" torcedora composta daqueles que sentem a mesma paixão.
No entanto, veja que eu preciso resgatar um sentimento infantil, de começo de vida, de primeiros passos. Hoje é muito difícil para mim sentir outra vez, porque a própria vida me ensinou o que são valores mais objetivos, com mais sentido. E nesse panorama não vejo espaço para o futebol, muito menos para torcidas organizadas. É praticamente impossível abrir a boca a gritar com um simples chute de um marmanjo enfiando uma bola entre as traves. Meu "esporte" favorito está mais para "enfiar duas bolas" em outros parâmetros mais prazerosos, de preferência, sem platéia.
É impossível, para mim, conciliar as responsabilidades de uma pessoa adulta com a distração infantil que me parece ser o futebol. Mais ainda, com a gritaria nas arquibancadas.Pior, com os conflitos de paus e pedras que alguns adultos não crescidos travam nos entornos dos estádios de futebol. É de uma infantilidade absurda, vergonhosa. Não é papel de homem, em fim. Trata-se de um jogo burro, estúpido, irresponsável e, acima de tudo, perigoso.
Como é de conhecimento, os jogadores passeiam por Miame (Maiame), por cidades da Europa, Milão, Madri, Paris, etç, enquanto voce se encurrala por becos fedorentos de São Paulo e Rio de Janeiro em brigas de torcidas organizadas. Enquanto voce quebra a cabeça de seu semelhante (igualzinho, só muda a camisa), ou enquanto voce geme com a cara no asfalto vendo o mundo escurecer e, talvez, reconhecendo no negrume dos pensamentos confusos o quanto foi tolo, os jogadores talvez estejam em alguma piscina cheia de mulheres gastando parte da grana que o teu ingresso forneceu, que a compra da tua camisa permitiu, que o teu fanatismo propiciou pela valorização do patrocínio, por parte de alguma empresa, ao teu time favorito. Sem contar com as vendas de resultados feitas entre cartolas e combinadas com os jogadores, coisas que nem sempre vaza à imprensa.
Antigamente os homens se digladiavam nas arenas, uns contra outros, outros contra animais e feras selvagens. Aqueles homens do começo da nossa civilização tinham uma boa desculpa: estavam aprendendo. Eram "crianças" enquanto seres humanos. Nossa civilização contemporânea não pode absorver tais costumes sem ser retrógrada. Parece que estes torcedores fanáticos resgatam toda a ignorância só própria e tolerada pelas antigas sociedades e se comportam como zumbis: não pensam, apenas sentem. São seres sensoriais, não racionais. Que pena, que lástima!
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comente com responsabilidade!