quarta-feira, 11 de julho de 2012

Voce confia no 190?

Agregador de links
A noite cai. A cidade se aquieta à medida que escurece e o ar é cada vez mais frio. Madrugada. O barulho das teclas do computador agora parecem explosões cortando o silêncio da metrópole. São milhões de pessoas que agora dormem, mas outras estão acordadas. Policiais, enfermeiros, radialistas, guardas-noturnos, profissionais de diversas áreas estão acordados. Mas não apenas eles, há gente sem profissão alguma que também não dorme, a saber, os criminosos.

Ladrões, assassinos, viciados, maníacos, perturbados e meticulosos, todos estão neste contingente humano que superlota o espaço urbano. Onde eles estão neste momento? Muito longe das teclas deste computador ou apenas do outro lado da parede do meu apartamento? Eu me pergunto e afasto qualquer suposição que sirva de resposta, temendo a probabilidade da segunda ser real. O fato é que muita coisa já aconteceu com alguém em situação idêntica a minha. Pessoas tranquilas, calmas, que só querem um pouco de paz num esforço de convivência boa e fraterna foram mortas impiedosamente. Não posso cometer o erro moral de achar que sou melhor que qualquer uma delas. Eu também estou a prêmio.

Rapidamente, recorre-me uma lembrança: o número 190 está à mão. Três dígitos e posso ficar em linha com os anjos das 24 horas, a polícia. Uma onda de calor humano e uma sensação de conforto começam a dissipar minha insegurança, mas não resiste à razão que me perturba: até que ponto a polícia protege? Se voce tiver uma viatura à porta do condomínio? E se o criminoso for o vizinho? Pior, se for o marido, ou a esposa, como mais recentemente deu no noticiário, o que fazer?

Ouço com tristeza gravações que explodem na mídia revelando a experiência indesejável de quem teve que pedir socorro ao 190. Dois toques de espera no telefone devem soar como uma eternidade para quem estar sob a mira de uma arma.

Agora, já não divago em pensamentos. Sim, é real e estou em linha. Para cada toque, uma pancada ainda mais vigorosa pode-se ouvir na porta. Agora são duas pancadas para cada toque de espera. Três pancadas a cada toque e...a porta vai ao chão. No cômodo onde estou refugiado, em minha própria casa, ouço a voz do policial do outro lado da linha: "Central de Polícia, Alô?" Exito se ainda é sensato ou não abrir a boca. Ainda a pouco, nos primeiros toques da ligação, poderia falar, até mesmo porque o barulho da porta sendo arrombada evitaria que me ouvissem. "Alô", continua a voz do policial no outro lado da linha. Minha casa foi invadida por marginais e eu estou fechado em um cômodo, informo. Eu começo a falar baixinho tudo de uma vez e percebo que o policial está falando comigo ao mesmo tempo. Ele pede que eu fale mais alto, mais compassado e que mantenha calma. Nesta hora eu já nem sei se posso explicar a ele o que estava antes tentando explicar quando ele me interrompeu. Meu pânico é maior do que qualquer raciocínio. Em situação normal eu perderia a calma e o mandaria ir ao inferno, no entanto, agora minha sobrevivência é mais forte que meu orgulho. Aliás, não tem orgulho nenhum, refugiado em um cômodo com a casa tomada por assassinos.

Eles estão aqui, bandidos. Passo as informações que para mim deveriam ser suficientes. "De onde está falando? Qual o endereço?" Pergunta o polícia. Eu passo o endereço a cada sílaba penso que serei descoberto. O policial me pede para não desligar o telefone e informa que uma viatura está a caminho. Ouço o barulho da porta sendo estilhaçada e resolvo contrariar o policial jogando o telefone sobre o armário do pequeno cômodo, mas não sei se consigo desligar. O bandido entra, põe a arma sobre a minha cabeça e, no breve espaço de um segundo de silêncio, ouço a voz do policial ao telefone, perguntando se eu ainda o ouço. O bandido também o ouviu. E, por milagre ou por maldição, o policial me pede para manter a calma e diz que uma viatura já está à porta de minha residência. Eu não acredito no que ouço, mas logo um outro barulho irrompe o silêncio. São tiros. O bandido dispara contra meu rosto e se volta correndo para a porta, em fuga.

Sem noção de tempo, eu acordo no hospital e me preparo para saber o que mais aconteceu depois de tudo isso que narrei. Pronto, doutor. Pode falar. Onde estão meus filhos? Minha esposa? Eles dormiam no quarto enquanto eu estava no escritório. O que aconteceu com eles? Em silêncio, eles se olham.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comente com responsabilidade!