sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Cadáver no rio Ganges

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Cadáver lançado ao rio em ritual religioso
Ainda não amanheceu e milhares de homens e mulheres se aglomeram nos ghats, as famosas escadarias que cercam o rio Ganges, ou Ganga, como preferem os indianos. Ali, nessa parte onde corta a mais antiga cidade da Índia, Varanasi, quase tudo tem um toque sagrado. Os milhares de homens e mulheres parecem se preparar para um banho, mas um olhar mais apurado evidencia não se tratar de algo comum. A intensidade e repetição dos movimentos, além dos apetrechos utilizados, denotam a diferença. Trata-se de um ritual de purificação. Está escrito nos textos sagrados. Aqueles que o praticam livram-se das impurezas, que não devem ser confundidas com pecado, pois elas podem acometê-los a qualquer momento e independem dos seus atos e vontades.

A alguns metros dos ghats, na mesma margem, uma fumaça branca chama a atenção. Durante todo o dia são cremadas centenas de pessoas que depois têm suas cinzas atiradas como presente ao Ganga. Segundo a crença antiga, essa é uma forma de se libertar do samsara, uma necessidade da alma que deve voltar para liquidar o saldo em um ciclo de existências sucessivas. O mais antigo e importante documento da literatura indiana, um dos quatro livros dos Vedas – Rig Veda – é repleto de formas de rituais e ritos. Entre eles, é possível encontrar o do funeral. A cremação é o mais habitual dos funerais. Ela é precedida por um cortejo fúnebre de parentes homens que transportam o defunto envolvido por um pano e cercado de flores. A cor do pano corresponde ao sexo. Em homens, usa-se o branco, nas mulheres, vermelho. Antes da incineração, os presentes dançam e cantam para libertar o espírito de todos os demônios.

 Para aqueles que não conquistaram a libertação, a morte é apenas um desaparecimento momentâneo. Já os que conseguem se libertar têm o caminho dos deuses. A fogueira é acesa. Para os santos ou pessoas de castas superiores a madeira usada é mais cara, o sândalo. Também para esses, fica reservado o melhor e mais alto espaço do crematório artesanal à beira do Ganga. O crematório elétrico, que fica bem ao lado, dá conta dos cadáveres menos abastados, cuja família não pode pagar os 110 dólares mínimos pelo ritual artesanal.

 Choque ocidental A poucos passos dali um cão remexe um pedaço de carne.
– O que ele está comendo?
– O pedaço de um corpo que o Ganga devolveu, responde um guia local.
Indianas lavando louça e tamando água
Sem muita cerimônia ele acrescenta: “é o ciclo natural da vida”. Após a cremação, alguns membros do corpo que não se tornaram cinzas são atirados ao Ganga. Atiradas ao rio também são as crianças e vítimas de doenças contagiosas, como a lepra. Isso porque se crê que eles não cumpriram o ciclo da vida, por seus corpos terem sido invadidos por espíritos malignos que não devem ser desafiados.

Esses corpos são amarrados numa pedra e jogados no rio. Evidentemente se desprendem, sobem e se tornam alimento de urubus, cães e outros bichos. O curioso é que, com tudo isso, o Ganga, incluindo os corpos queimando em fogueiras que mais parecem as montadas nas festas de São João, não exala odor forte. E isso acaba servindo de justificativa para os guias locais defenderem que o rio é limpo e que não há problema algum em se banhar nele ou mesmo beber de sua água.

Como em qualquer outra religião ocidental, o inexplicável se responde através da fé. Mas o que parece mais diferenciar o hinduísmo das religiões ocidentais é o fato de estar presente em quase todos os aspectos da vida cotidiana e extrapolar completamente os espaços sagrados. Do vestuário e alimentação à forma de organização social e política, não há o que não tenha seu toque.

Basta entrar em uma residência hindu. Elas são como um templo. O ritual se inicia na porta, onde devem ser deixados os sapatos, que por tocarem as ruas são considerados impuros. Principalmente se forem de couro, já que foram produzido a partir de um animal morto. Dali pra dentro, as manifestações continuam. Nas paredes e cantos da casa há diversas formas de homenagem aos deuses preferidos dos moradores. Elas se dão através de altares, calendários com imagens e até de adesivos. Incenso, lamparina com azeite e flores são alguns dos objetos colocados ao lado das imagens. (Por Juliana Di Thomazo [Quarta-Feira, 19 de Novembro de 2008 às 12:58hs]   juliana@revistaforum.com.br )

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