Das coisas mal acabadas

Hoje eu vou falar das coisas não acabadas bem. O dia, por exemplo, não é tão importante que comece, quanto que termine bem. Se acordamos com o pé esquerdo temos o dia inteiro para endireitar, mas se vamos dormir com alguma coisa não acabada bem, já não há tempo. É muito ruim pôr a cabeça no travesseiro e ouvir a voz interior listando uma série de coisas que poderiam ter sido melhor. Na verdade, uma coisa isolada já é suficiente para estragar uma noite de sono. Se não falamos direito com alguém que amamos, se fomos grosseiros, isso no final de um dia pode ser o começo de uma noite mal dormida.

Mas o que dizer da vida?! Sim, se de repente formos pegos de surpresa com o fim inesperado, com tantas coisas mal acabada deixadas para trás? O que fazer? Um "eu te amo" que faltou ser dito, ou mesmo um pedido de desculpas a alguém...Algumas vezes, vou dormir com a necessidade de dizer para as pessoas que mais amo: me desculpem por ser eu mesmo. Sim, há ocasiões que eu só preciso ser autêntico para ser também uma pedra no sapato. É aquela coisa de dizer o que pensa, "doa a quem doer". Uma verdade que dói deveria ser tratada como remédio de gosto amargo: só no último caso. Não pode ser servida a toda hora, em qualquer lugar, como um chazinho.

Mário Quintana diz em um de seus versos:

A vida é uma estranha hospedaria,
de onde se parte sempre às tontas,
porque nossas malas nunca estão prontas
e a nossa conta nunca está em dia

Seria muito ruim partir depois de sermos rudes, depois de magoarmos quem amamos. Mas eu penso que seria enormemente ruim se alguém nos deixasse sem que pedíssemos desculpas por sermos nós mesmos. Por omissão ou por palavras, por "verdades" ou por mentiras ditas, o silêncio da noite ainda nos reserva a promessa de um amanhecer, para nos redimirmos em tempo. Tudo o tempo cura, quando ainda há tempo. Mas nem sempre haverá um amanhã. Pensemos nisso.