quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

O crente indevidamente feliz

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Chegando, ele logo se acomodou em uma das primeiras fileiras de poltronas. Várias fileiras se estendiam vazias pelo imenso santuário. O lugar tinha uma acústica milagrosa onde as pisadas de um gato poderiam ecoar da entrada até o imponente altar.

Ele pôs-se de joelhos e começou a orar, saciando uma sede da alma em busca de algo que não sabia ao certo o que era. Outras poucas pessoas também encontravam-se introspectivas a orar em silêncio, com a cabeça abaixada e os olhos cerrados, como se quisessem deixar o mundo ou esconder-se dos pecados para falar com Deus.

Aos poucos, mais pessoas foram chegando e logo o pastor deu início a uma sessão de "cura e libertação". O ministro foi chamando aqueles que se dispunham a aproximar-se para receber o que chamou de "oração de poder". Recebendo-a, algumas mulheres choravam com o rosto praticamente tocando o frio e duro mármore que revestia o altar.

Ele ficou contemplando a cena. Via o auxiliar do pastor impondo as mãos sobre as cabeças piedosas. De repente, uma decisão tomou-lhe a alma e ele levantou-se num impulso. Enquanto retirava-se sob o vivo olhar do pastor, que parecia indagar o porque dele deixar o local, lançou a audível frase:"Só vejo mármores. Não vejo Deus!" O pastor retrucou: "está possesso do demônio. Venha e liberte-se, homem!"

Quando cruzou a imensa porta de entrada e respirou o ar fresco da área externa, ele sentiu-se bem mais leve. A atmosfera ali dentro ara densa como a de um terreiro de candomblé.

Caminhou em passos rápidos pela avenida e nem examinou o trânsito intenso. Sorte que não vinha nenhum carro. Ao aproximar-se do semáforo, cruzou pela faixa de pedestre seguindo o fluxo de pessoas. Subiu pela avenida.

Um pouco mais à frente, na pressa deixou cair o iphone, que abriu-se sob o impacto no asfalto. Cuidadosamente, o apanhou e remontou o parelho. Quando levantou as vistas, deu de cara com alguém conhecido.

Era  morena, de cabelos ondulados e na altura dos ombros. Mais baixa do que ele, como é natural. Aos pouco mais de trintas anos, Jaqueline era ainda muito atraente. Tinha uma jovialidade conservada e um bom asseio, como é próprio das mulheres solteiras que todos os dias se preparam para encontrar o amor de suas vidas.

Seu rosto alegrou-se com o dela, e a mesma expressão de contentamento foi recíproca.
__Olá, voce aqui?__Disse ele surpreso e feliz enquanto a beijava na face.
É, e voce, como está, meu amigo?__Correspondeu ela soltando um beijo estalado no ar, em cumprimentos de amizade.
__Bem__Disse ele__Eu estava no templo orando um pouco.
__Ah, que bom. Continua evangélico? __Perguntou ela muito mais em tom de óbvio afirmativo.
Sim__Disse ele__Me sinto bem. Ambos seguiram pela avenida. Ele com a mão sobre o ombro dela.

Enquanto caminhavam, ele confessou:
__Voltei à casa de Deus, porque me faz lembrar uma época e um alguém muito especial em minha vida.

Ela o ouvia. E vez ou outra,  fitava-o em seus olhos, como a estudar cada expressão de seu rosto enquanto falava. Essa atenção devotada fez-lhe ainda mais bem que a oração no templo a poucos minutos atrás.

Poucos passos depois, ambos chegaram à casa dela. Era pequena. A localidade tinha um aspecto de bairro residencial, apesar de ser no centro da cidade.

Ainda no jardim, ele viu uma moeda de um real e parou para apanhar.
__Estou com sorte__Disse ele enquanto apanhava a moeda. Ela sorriu.
__É mesmo!__Disse ela.

Ao aprumar-se novamente, ele percebeu que ambos estavam muito próximos. Como se dançassem, enquanto ela ia falando, ela deixou as mãos tocá-la nos ombros, no rosto, e a envolveu como se quisesse protegê-la de um frio, ou do medo da solidão. Ela parecia não resistir, embora continuasse o assunto desconexo de toda a emoção que aquelas carícias lhe provocavam. Depois, um beijo silenciou as palavras que se perderam num mar de desejos incendiando o sangue em nas veias.

__Vamos entrar? Aqui não fica bem__Disse ela. E isso era tudo o que ele mais queria ouvir.

Ao entrar na casa, ele conferiu se a porta estava mesmo trancada. Ela percebeu a preocupação e disse-lhe que pudia ficar tranquilo. Apenas o dono da casa, que era alugada, tinha a chave. Antes que ele perguntasse o porque, ela informou que ele era crente também, e que de vez em quando aparecia lá para tomar café e falar da Bíblia.

Dito isto, ele a puxou para si, encostou desesperadamente seu peito ao corpo dela e a beijou como se fosse a última coisa que quisesse fazer na vida. E ambos foram se despindo aos beijos ininterruptos. E quando viram, já estavam saciando a inverosímel sede que avassala a humanidade.

Ao término, ele levantou-se íntimo e à vontade e foi até ao filtro para tomar água. Ela o seguiu e disse-lhe: __Queria tanto que ficasse. Mas voce tem que ir para sua mulher. Ele ouviu indiferente, como se entendesse que por trás das palavras de uma mulher nem sempre um não é de fato um não(esse conhecimento é a vantagem dos casados). De repente, a porta se abriu. E inevitavelmente o caseiro entrou.

Era um senhor caboclo, bem mais moreno que ela. E com aparentes quarenta e cinco anos de experiência, que nitidamente percebeu a cena, mas não manifestou surpresa. Não havia nenhum sinal de censura em seu olhar. Apenas passou as vistas no rapaz, ali, semi-nu na sala de uma jovem solteira, e antes de retirar-se tão sem sentido quanto adentrou, disse:
__Vai jantar com a gente, Jaqueline. A Rosa fez lasanha. Ela apenas agradeceu tímida.

Ele conferiu se a aliança estava mesmo no bolso da blusa e ambos voltaram a se amar, indevidamente felizes.

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