sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

O mendigo

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Na aurora da vida, tudo lhe parecia possível. Era inconcebível pensar que não. O vigor físico, o impulso, o ânimo, sobrepujavam seus obstáculo. Que piruetas incríveis, que facilidade em transpor barreiras! E os anos se foram passando.

Uma chinelada na bunda, uma tabica nas canelas, um grito adulto, tudo o alertava sobre a imposição de limites. Não pode isso, não pode aquilo, agora, o despertar para as fraquezas à frente ameaçavam as forças. Experimentou roubar, quando não sabia o que é roubar. E logo descobriu trata-se de algo feio. Muito feio. As coisas feias, os limites, as forças aplacadas, agora faziam uma visita indesejada à sua alma.

Foi pego no caminho por uma chuva, molhou os cabelos e misturou-se às lagrimas, a roupa grudou nos couros e seus passos se tornaram difíceis. Pela primeira vez vencido, chorou o pranto dos derrotados. Mas ninguém pôde ver seu choro. Aproveitou a solidão e xingou Deus, bem baixinho para o diabo não ouvir.

Passada a chuva, empreendeu retirada a caminho de casa. O sol secou as roupas, o xingo secou as lágrimas. Agora, só um contentamento, afinal, foi a primeira vez. Nunca mais haveria de dar-se por vencido. Nunca mais os obstáculos se elevariam tanto acima dele. Pensava.

O tempo continuou, implacável a ignorar os fatos. E ele correu contra o tempo, a favor do vento, de acordo com a correnteza. Se embriagou aos doze anos. Quem nunca se embriagou nesta idade? Quem nunca ficou bêbado com um toco de cigarro ou o cachimbo de uma tia velha? Botou fogo e fumou. Pouco tempo depois, botaria mais que fogo no cachimbo de outra velha. Perdia a virgindade anos depois de bater a primeira punheta. Pegava também a primeira gonorreia.

Reprovado!(1984). Reprovado(1985). Reprovado(1986). Preso(1987). Fora pego comendo uma égua no cercado de um fazendeiro, enquanto a polícia procurava um criminoso. Qual o crime? Lugar errado, hora errada,  coisa errada. O certo é que a polícia não queria voltar com o camburão vazio e o levou para aprender como praticar crimes maiores.

Mas ele tentou. Pelo menos é o que diz. Caiu e se levantou mais de mil vezes. Quem consegue cair tanto e ainda ficar vivo para levantar-se? Não acredito nele. É mesmo um vagabundo. Mente. Tem vocação para ser um à toa. Foi feito assim, para isto. Culpa Deus, mas é culpado de ser quem é. Dar errado, para ele, sempre funcionava. O azar nunca falhou.

Passou boa parte da vida tentando descobrir o porque de suas desventuras, e quando viu que isso iria roubar-lhe o tempo, o único bem que possuía, parou de se questionar. Hoje, nem mesmo ocupa-se de fechar a boca, mas deixa-a escancarada para cáries, moscas e larvas se hospedarem ao redor de um pedaço de carne imunda que chama de língua. Com a boca podre, os intestinos secos e o ânus estufado de hemorroidas, ele está lascado, no princípio, meio e fim. Um fio de saliva espesso de pus escorre-lhe os lábios, um olho ramelado contempla a graça nas obras do Criador, dignas de um tirano, enquanto as pessoas passam indiferentes na calçada, como é de praxe.

2 comentários:

  1. Texto perfeito, me remeteu a infânia, mais logo me fez enxergar que era de outra pessoa que estava falando kkk sei lá tudo tão real e fantasioso. Simplismente maravilhoso.

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  2. Ok. Adilma. Parece uma pessoas que ao mesmo tempo é um pouco de várias outras. É meio abstrato, né? Mas, obrigado, querida, pela sua visita ao blog. Um beijo no coração!

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